Caiu mal no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) o tom demolidor com que um coletivo de juizes terminou o julgamento de um dos processos-crime relacionados com a compra de dois submarinos, em 2004, a um consórcio alemão. Com a absolvição dos dez arguidos e uma crítica violenta à forma como os procuradores fizeram o seu trabalho, o desfecho do processo das contrapartidas dos submarinos levantou uma dúvida sobre este caso de regime: até que ponto o Ministério Público não andará a erguer castelos na areia?
Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, traduz o sentimento dos colegas do DCIAP: "Não é competência do tribunal apreciar o trabalho do MP. Acho que a procuradora-geral da República devia ter-se pronunciado e dizer que este tipo de declarações não é próprio de um tribunal."
No acórdão proferido na semana passada, os juizes arrasaram todos os argumentos construídos ao longo de anos pelos procuradores para tentarem provar que três alemães do consórcio construtor dos submarinos coordenaram-se de forma criminosa com sete empresários portugueses para iludir o Estado. A acusação dizia que tinha sido incluído, num pacote de 1200 milhões de euros de contrapartidas para a economia nacional (que o German Submarine Consortium estava obrigado a promover), um conjunto de negócios que não deveriam ter sido considerados. E que isso envolvia a prática de crimes de fraude e falsificação de documentos. "A montanha pariu um suspiro", diria no final da leitura do acórdão Nuno Godinho de Matos, advogado de defesa dos três arguidos alemães.
Um dos pilares centrais da acusação era uma perícia feita pela Inteli, consultora especializada na área da defesa, que tinha trabalhado para todas as partes do negócio dos submarinos antes de se envolver na investigação do MP. O tribunal não quis saber da perícia, por achar que a Inteli não era independente. "A determinada altura faltou serenidade na análise das provas por parte do Ministério Público", diz João Perry da Câmara, advogado de defesa de três dos empresários portugueses.
"Os arguidos foram ouvidos pela primeira vez para serem confrontados com uma súmula que apontava já para a acusação. O Ministério Público nunca mostrou vontade de ouvir as explicações deles. E agora tenho muita dificuldade em perceber que haja uma decisão de interpor recurso do julgamento para a Relação, antes de o procurador ter conhecido o acórdão inteiro", com mais de 600 páginas.
Sem querer comentar casos concretos, o presidente da Associação Sindical de Juizes Portugueses admite que "tudo se torna difícil quando não há provas diretas e o tempo vai passando sobre a ocorrência dos factos. Na investigação a crimes de colarinho branco, não pode haver arqueologia criminal". E isso tem sido um padrão nos inquéritos conduzidos pelo MP.
Copiar a CMVM
Mouraz Lopes defende que, para se ter sucesso no combate à criminalidade financeira e económica, vai ser preciso reorganizar o MP para que trabalhe mais na prevenção. "O modelo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários devia ser replicado para os grandes contratos públicos passíveis de envolver corrupção. A CMVM vigia todas as transações financeiras e encarrega-se de fazer averiguações preliminares nos casos de transações suspeitas. Quando há indícios é depois alertado o Ministério Público. Isto devia existir por exemplo para os contratos das parcerias público-privadas. Assim o MP poderia pôr em marcha meios de provas mais eficazes, como escutas e agentes infiltrados, enquanto as coisas estão a acontecer."
Embora haja hipóteses de a acusação no processo das contrapartidas ser ressuscitada na Relação, a derrota na primeira instância coloca uma pressão redobrada sobre o DCIAP, que ainda tem em mãos a investigação principal do caso dos submarinos, relacionada com corrupção. As expectativas no meio judicial são baixas. A confirmação das suspeitas de ter havido corrupção a "decisores políticos" para que o GSC fosse escolhido como consórcio vendedor dos submarinos assenta em dados de contas bancárias no estrangeiro. Um género de prova complexo e difícil de obter.
Ao fim de oito anos sem haver ninguém acusado, o inquérito já vai na terceira equipa de procuradores. A última recebeu passagem de testemunho no verão do ano passado, logo a seguir a terem sido constituídos os primeiros arguidos, todos eles gestores da Escom UK, consultora que recebeu do consórcio alemão €30 milhões, quantia considerada excessiva pelo MP. Fontes próximas do processo dizem que isso se tratou de uma solução para contornar o prazo de prescrição dos crimes, que iria expirar em outubro deste ano. E assim conseguir um prolongamento de cinco anos, que ainda assim não vale para os suspeitos que não foram constituídos arguidos.
DESCUBRA AS DIFERENÇAS
PROVA INDIRETA
A maioria dos processos-crime de colarinho branco assentam em provas circunstanciais que, quando conjugadas, podem levar o tribunal à convicção da culpabilidade dos arguidos. Rendimentos incompatíveis com o nível de vida são uma dessas provas indiretas. Estão mais sujeitas a interpretações opostas. Foi o que aconteceu com o processo das contrapartidas dos submarinos.
PROVA DIRETA
Demonstram de forma imediata que um determinado crime ocorreu. Uma testemunha que viu alguém matar uma pessoa, por exemplo. Mouraz Lopes defende que os crimes económicos e financeiros devem recorrer cada vez mais a escutas e agentes infiltrados, meios de prova direta.
Micael Pereira | Expresso | 22-02-2014
Comentários (16)
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a) O Ministério Público fazia investigações como deve ser e, ou não acusava ou, se acusava, não encolhia os ombros quando os arguidos são absolvidos depois de anos de "investigações";
b) os Juízes calavam "o bico" sobre a qualidade do trabalho do Ministério Público, que não é da sua conta e condenavam e absolviam quem tivessem de condenar ou absolver, sem estardalhaço;
c) existia uma imprensa digna desse nome, que saberia distinguir com melhor acuidade e mais frequência entre investigações fraquinhas e Juízes fraquinhos, chamava "os bois" pelos nomes (em vez do ronceiro "a justiça isto, a justiça aquilo"), o que muito contribuiria para os desideratos a) e b).
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vá sonhando...
com este m.p., a coisa assim até vai boazinha...
a ineficiência, o despesismo, as promoções sem mérito e o tachismo no m.p. são tao grandes que é melhor o governo e o povo não saberem...
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Quando este caso já teve um outro processo na Alemanha, e foram provados os crimes de que estavam acusados, não ver o mesmo em Portugal, é caso para pensar o que diferenciou a investigação e a produção de prova.
Alguém sabe explicar?
Respeitosamente
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Só sei que muito provavelmente ficaram mais uns criminosos de colarinho branco a rir-se de toda esta palhaçada e mais um despesão para o erário público.
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Os ovos não são dados de propósito.
Porque é que, p. e x., não há investigações a sério nos crimes cometidos por políticos e altos cargos da administração pública ?
Assimetrias investigatórias
Em geral estaria na altura de fazer um balanço das mega estruturas de investigação, DCIAP, DIAPs distritais e equipas especiais que, em geral, gastam muito e concretizam pouco (haverá aqui alguma referência subliminar ao "Apito Dourado"?).
Também se impunha evolução legislativa que sujeitasse a escrutínio prévio (ao estilo da averiguação preventiva nos casos suspeitos de branqueamento de capitais) a contratação pública relativa a valores de uma determinada dimensão quantitativa (por exemplo, despesa excedente a um milhão) ou qualitativa (vinculação superior a um ano), de molde a lograr a percepção do processo negocial e do cumprimento das salvaguardas legais, tentando afugentar os fantasmas da corrupção e do tráfico de influências. Mais não seja conseguia-se o levantamento prévio de alguns documentos que, mostra a história, têm tendência a desaparecer sem deixar rasto...
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o m.p. tem muitos ovos. estão é paradinhos a dar pareceres, etc, etc, a fazer o que aquele juiz consº do tribunal de contas explicou nos açores e na madeira, a quererem chegar a p.rep. e pga sem concursos curriculares, com chefias por todo o lado ao mesmo tempo que cada um quer ser independente...
estranho haver tantas chefias numa entidade em que cada um diz que é independente...
lá se vai o nosso dinheirinho para quase nada.
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Há dias fui notificado para comparecer na EIC da PSP, por acusado.
Á hora e no local o senhor agente mostra-me dois documentos e pergunta-me - conhece isto?
Num disse que sim e noutro disse que não.
Ora quem me acusa , acusa-me de andar a dizer mal da familia. Mas a dita sabe bem que durante anos apresentei queixas contra os cidadãos por ruído da vizinhança em todas as instituições públicas, mas nada consegui colocá-los na ordem. Diz a nota acusatória que a participante apresentara várias queixas contra mim mas são sempre arquivadas.
Sobre tais queixas contra mim, desconhecia-as, mas das que apresentaram ao longo de 10 anos contra ela sei que o MP as arquivou. Daí e por este suposta queixa, encontro-me em regime de termo de identidade e residência.
Assim é fácil viver, privando os cidadãos da sua livre mobilidade, por uma queixa qualquer
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Na verdade, basta ver a quantidade de coordenadores e coordenadores dos coordenadores do MP que existem nas "comarconas" atualmente existentes, sendo que até há PGAs na 1.ª instância!!!
Imagine agora, nas vinte e tal novas "comarconas" a quantidade de procuradores desaproveitados a serem coordenadores e coordenadores dos coordenadores e a quantidade de lugares de PGA que certamente serão criados, em vez de estarem a despachar inquéritos e a terem uma atuação muito mais ativa nos julgamentos, que desde logo não se limite a responder aos recursos dos arguidos e passe a recorrer mais vezes exigindo penas mais pesadas em vez de só recorrerem nos casos de absolvições e apenas quando a "bela" circular ou diretiva ou instruções do superior o determinem.
E, também no nosso caso (creio que o meu caro será juiz como eu), o panorama não será melhor, posto que basta pensar na quantidade de juizes que serão desperdiçados com o cargo de presidente da "comarcona" e outros que possam vir a ser criados.
Os ventos sopram de forma preocupante, meu caro
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Não conheço nenhum caso em que uma mera acusação redunde num TIR. Ou foi observada pelas autoridades a prática de um crime, ou as suas declarações indiciam com elevado grau de certeza a prática de um crime, ou foi erro da EIC da PSP.
Conheço o caso de uma autoridade ter aproveitado a fragilidade psíquica de um declarante, levando-o a recusar Advogado e a falar abertamente, conduzindo o inquérito de acordo com um interesse, mas alguém ser acusado por terceiros e sair com Termo de Identidade e Residência não conheço, o que não quer dizer que não aconteça.
Quando falar com o seu defensor, por certo ele lhe dirá que a coisa não é tão negra assim, vai ver.
Constituição de arguido e Termo de Identidade e Residência (TIR)
Estrela do Amanhã
e
Orlando Teixeira
Estrela do Amanhã: não teve de comparecer numa Esq. Inv. Criminal "por acusado" (acusado é-se pelo Ministério Público, só), mas porque alguém contra si apresentou queixa. A partir daí é o disposto nos artigos no fim deste comentário.
Orlando Teixeira: nem a autoridade teve que observar a prática de um crime, nem são as declarações do agora arguido que indiciam a prática de um crime. Alguém apresentou queixa contra ele, tão só. A partir daí, e desde que a queixa faça um mínimo de sentido, a pessoa é obrigatoriamente notificada para ser interrogada como arguido. A pessoa, quando é interrogada, é-o já na qualidade de arguido: a pessoa é constituída arguida antes de ser interrogada, sendo-lhe comunicados direitos - e deveres - que tem, nomeadamente o de não prestar declarações. A seguir, mas antes de ser interrogada, a pessoa é sujeita obrigatoriamente a termo de identidade e residência porque foi constituído arguido, e tinha de o ser para ser interrogado. Mesmo que a pessoa preste declarações e logo ali pudesse fazer prova de que era impossível ter cometido o crime, mantém-se o TIR até que sobrevenha uma das causas legais para a sua extinção (art. 214).
Em síntese: vai ser interrogado por haver suspeita fundada de que praticou crime? Então tem que ser constituído arguido. Vai ser constituído arguido? Então tem que estar sujeito a termo de identidade e residência. Cronologicamente, no interrogatório, é dito ao indivíduo que vai ser constituído arguido por haver suspeita fundada de que praticou um crime, é-lhe dito que direitos tem, é-lhe dito que tem que reponder com a verdade sob pena de sanção penal a questões sobre identidade, residência, e antecedentes criminais, e é assim desta forma sujeito a termo de identidade e residência.
A única questão é: havia ou não suspeita fundada da prática de crime? Se não havia, pode ter havido ilícito da parte do Magistrado. Ilícito culposo ou não, como qualquer ilícito.
Código Processo Penal:
Art. 272
1 - Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la.
Art. 196
1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º.
(V. também art. 204 mesmo Código: TIR é a única medida de coacção que não depende dos pressupostos desta norma. Todas as outras dependem.)
D.S.M. (depois das seis da manhã)
Tark Pagus
Notifique

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A sua exposição é clara e inequívoca para quem não tenha pensado no assunto antes.
Suscita, porque clara e inequívoca, uma interrogação que raramente se faz: porque diabo se incomoda alguém só porque outro alguém apresenta uma queixa e, verificando-se, como muitas vezes acontece, que o primeiro alguém foi incomodado só porque o segundo alguém teve gozo nisso, nada acontece ao segundo alguém?
Não vale a pena responder com as actuais previsões legais porque elas a nada respondem.
Dizer que sempre se pode fazer queixa por denúncia caluniosa é outro gozo. Primeiro porque o processo irá incomodar, novamente, mais o primeiro alguém do que o segundo. Depois porque só por milagre o processo terá desenvolvimento em tempo útil. Finalmente, porque quem brincou com a justiça sempre acabará a rir-se, por falta de uma sanção forte que lhe tire o riso.
É que o entendimento que preside às normas actuas é o de que cabe ao desinquietado apresentar queixa porque foi ele o lesado.
Não é verdade.
Quem apresenta uma queixa infundada está a lesar o Estado, os contribuintes no seu todo.
O polícia que vai pegar nos papéis, fazer notificações e perder tempo a ouvir o denunciado, é pago pelo nosso dinheiro. O magistrado que depois receberá a papelada, irá perder tempo a lê-la, a decidir o que fazer e, muitas vezes, a ordenar novas notificações e a fazer inquirições para chegar a uma conclusão também é pago pelos mesmos. Mais os funcionários pelos quais passa o processo.
Em suma, uma queixa infundada lesa toda a gente.
Mas nada acontece.
Ora, sendo o MP o titular da acção penal, deveria ter não apenas o poder mas a obrigação de, nestes casos, acusar quem apresenta uma queixa infundada, nem que fosse para que iindemnizasse o estado das despesas em que o fez incorrer.
Para além disso, não começariam a desaparecer, ao fim de algum tempo, grande parte das queixas que deixam o MP - e os Tribunais - atolados?
A. A. (antes de almoço)
E. D.
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Creio não ter passado a mensagem, já que existem dois tempos distintos. Num, arguido é um sujeito processual que tem origem numa acusação. Noutro, bem distinto, é a sua constituição como Arguido, e era desse momento que falava.
Bem sei que é polémico, mas falava da fase de pré-inquérito, quando há apenas uma acusação, existe um arguido, mas salvo flagrante delito, não há constituição de Arguido, algo que acredito aconteça mais vezes do que o desejável, em especial nos casos dos crimes sujeitos a queixa ou denúncia, só não conseguindo situar se ocorre durante o prazo dos dez dias para entrega ao JIC, se depois.
Note que muitos dos OPC ouvem em inquérito arguidos e se no decurso das declarações existirem indícios da prática de um crime ou das mesmas existem indícios que a queixa faz sentido, como refere, o OPC deve de imediato suspender as declarações e constituir Arguido o declarante, para protecção dos seus direitos básicos de defesa.
Bem sei que o CPP diz que sempre que ouvido em declarações, deve ser constituído Arguido, mas bem sabe que essa não é a prática. Basta notar que sempre que alguém é convocado para prestar declarações, ninguém diz que é na qualidade de Arguido, tão pouco arguido, apenas para ser ouvido. Conhece algum OPC que convoque alguém para prestar declarações, informando-o em que qualidade e com que direitos, já para não falar das convocatórias por telefone,que não deixam rasto quanto ao cumprimento destes desideratos? Estou enganado ou é esta a prática corrente? Pode até não ser a mais correcta, mas é a prática em muitos dos OPC. Convém apanhar o declarante o mais desprevenido possível, para não organizar a sua defesa e o que vai dizer, não é? Pelo menos essa parece ser a prática de muitos agentes.
Dada a polissemia do termo, usei arguido enquanto sujeito processual, e Arguido enquanto alguém sujeito a constituição de Arguido.
No resto tem razão, como razão tem o Dr.Mário Rama da Silva que saúdo em especial, pois há muito não tinha o prazer de ler.
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